domingo, 15 de abril de 2018

"La bestia" ou o comboio da morte



Durante toda esta semana tenho ouvido o barulho dum comboio que passa perto da nossa "Casa de oración", em Tlaquepaque, um bairro periférico de Guadalajara. Não sabia que era "la bestia", o tristemente famoso comboio da morte, que atravessa o México do sul ao norte e que constitui para milhares de pessoas o transporte rumo ao "sonho americano". 
Dizem as estatísticas que um destes comboios pode transportar entre 1.000 e 1.500 migrantes, naturalmente todos ilegais. Sobem enquanto o comboio está a correr e ficam ou sentados ou pendurados entre duas carruagens. Em ambos os casos a posição é muito incómoda, e é por isso que a primeira regra que um viajante clandestino deve aprender é: "não dormes". Não só porque se pode cair por distração ou por cansaço, mas também por causa de muitos outros perigos: assassinos, atacantes, narcotraficantes, grupos armados, estupradores, policiais corruptos, etc.  
E no entanto, são milhares as pessoas que apanham diariamente estes comboios da morte. Porquê fazem isso? Para fugir à pobreza, à opressão, às perseguições nos seus países de origem. A grande maioria vem de países muito pobres, como Guatemala, El Salvador, Nicarágua, Honduras e do próprio México. A viagem pode durar até dois meses. Chegando à fronteira procuram um coyote (passador profissional) que, pela soma de 5.000 dólares ou até mais, aceita de fazer transitar a pessoa. Estima-se que anualmente cerca de 1.300 pessoas morrem ou ficam mutiladas no caminho. Uma vez nos Estados Unidos os perigos não acabam, porque podem ainda ser sequestrados (10.000 emigrantes centro-americanos em apenas 5 meses) ou repatriados, se surpreendidos sem documentos (250.000 centro-americanos reenviados aos países de origem num ano). Para tentar ajudar este “exército” de migrantes, a caridade cristã tem inventado os “centros de acolhimento” (em espanhol hogares), onde os migrantes podem encontrar cama e comida gratuitamente. Mas há também um grupo de 14 mulheres (las “patronas”), que há 15 anos todos os dias preparam comida e uma garrafa de água para os que transitam perto da fronteira norte.


Ontem fomos visitar um destes 69 centros espalhados pelo território nacional, a “Casa del migrante” que se encontra na paróquia de “Nuestra Senhora del Refugio”, em Tlaquepaque, Guadalajara. É um centro modesto, que acolhe diariamente cerca de 40 migrantes (com picos de 300 e até mais) e oferece todos os dias 120 refeições aos pobres da paróquia (sobretudo meninos de rua e idosos). O centro vive exclusivamente de providência. O p. Alberto, pároco e responsável do centro, contou-nos muitas histórias tristes de pessoas que passaram nesta casa, mas também partilhou connosco a sua alegria de constatar que toda a paróquia está envolvida e colabora nesta obra de solidariedade. É a sua maior consolação. 

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