O
Grito da Terra - o grito dos pobres!
Mensagem
da Família Franciscana na Guiné-Bissau
A situação atual
nos impele a pronunciarmo-nos, enquanto filhos e filhas de São Francisco de
Assis, em prol da paz e do bem de todos, como foi o testemunho de vida deste
homem extraordinário.
Éramos uma
sociedade mais pacificada e capaz de ultrapassar os contenciosos com rostos que
voltavam a ser sorridentes e cativantes. Os laços de entendimento e de união
entre os guineenses continuavam bem evidentes, mesmo depois dos acontecimentos
mais desgastantes e demolidores. Dava para ter esperança no amanhã e ter
confiança na capacidade de agir pelo bem comum, no presente.
Hoje, somos
obrigados a perguntar-nos: “Para que lugar estamos a caminhar e aonde
queremos chegar?”, pois estamos a viver uma crise política, jurídica,
económica, educativa, sanitária, entre outras, que nos mergulha num clima de
agressões físicas e verbais, atentatórias à dignidade humana e conducentes à
violação da integridade física e moral das pessoas, das instituições e da
sociedade em geral, enquanto comunidade de bem. Assistimos a gastos avultados
de dinheiro público, de forma leviana e sem transparência; constatamos a
instrumentalização das identidades étnicas e religiosas para fins políticos; a
ausência de respostas às populações mais desfavorecidas, relativamente à
assistência alimentar, educativa e proteção social; o agravamento de impostos
recaídos sobre os trabalhadores, sem prévia melhoria das condições laborais e
salariais, quando as benesses do erário público são para consumos políticos e
não para o investimento público; a justiça fragilizada, desacreditada e seletiva,
não estando ainda totalmente ao alcance dos mais frágeis e necessitados; os
silêncios que escondem conflitos de princípios e ausência de valores, por que
deve reger-se o Estado de Direito, inclusive ao nível da Comunidade
Internacional.
A manutenção
deste estado de coisas leva à degeneração da situação até à ingovernabilidade,
clivagem e colapso. A litigiosidade e agressividade, como um vírus, estão a contagiar a população no
seu dia a dia. A desconfiança reina em todo o lado. A República está a regredir, em termos de garantias e defesa dos
direitos e avanços típicos das nações, que não renunciam ao estatuto de
verdadeira democracia, onde as pessoas gozam de cidadania ativa e plena.
O
descontentamento é bem visível em todo o lado e se torna mais patente nos
alunos penalizados a ficar em casa ou vagueando pelas ruas, proporcionando o
aumento de violências domésticas e/ou baseadas no género, na vulnerabilidade e
precariedade das famílias, sobretudo as lideradas pelas mulheres. Hipotecamos o
nosso futuro, vivendo o presente duma
maneira inglória e irresponsável. E quantas pessoas pagaram o preço da
crise sanitária? Sem falar do tráfico de droga e de outros crimes que,
infelizmente, um Estado fragilizado não tem capacidade de enfrentar com
eficiência.
Na escola de São
Francisco de Assis aprendemos que é importante ter o espírito de sentinela para
alertar e denunciar os males do próprio tempo, mas também é preciso colaborar –
em sinal de esperança – na construção duma sociedade nova, indicando o caminho
que nos possa catapultar para a fruição do bem-estar coletivo, onde ninguém é
esquecido ou fica para trás. Não estamos contra ninguém, apenas pretendemos
defender um futuro melhor para todos, comprometendo-nos, também nós, a trabalhar,
dedicada e humildemente, para o bem-estar de todos. Nosso objetivo é contribuir
para a saída das páginas sombrias da nossa história comum, começando, desde já,
a escrever uma página mais luminosa e empolgante.
Chegou o momento de eliminar a malícia de certas ações,
de cessar de fazer o mal, de aprender a fazer o bem, de procurar o que é justo
(cf. Isaías 2,16-17) e de respeitar a memória de todos aqueles que sonharam e
deram a vida para que fôssemos um povo unido (apesar das nossas diferenças),
livre e independente. Nesse momento, os guineenses precisam que as instituições
do Estado, em especial os órgãos de soberania, se preocupem com a sua vida
concreta. O Estado deve ser o primeiro educador da nação, mobilizando a todos e
agindo de modo a resolver, de uma vez por todas, as questões ligadas à saúde, ao ensino, à
produção e à alimentação; deve, ainda, proteger e incentivar a descentralização
de oportunidades de mobilidade social ascendente e suscitar e promover a
vinculação das pessoas e coletividades, no interior do país, a uma ideia de
nação; garantir os direitos sindicais dos trabalhadores e o sistema de reforma
e proteção social (Segurança Social); investir na economia, capaz de gerar
emprego, através da transformação local e dinamização de circuitos de
distribuição de bens e serviços de
primeira necessidade; melhorar a gestão do grave problema da recolha e
reciclagem do lixo, e dar mais importância e destaque à proteção da
biodiversidade, com atenção especial às florestas, pois, por motivos obscuros,
assiste-se a uma exploração irresponsável da nossa floresta, correndo assim o
risco de a destruirmos e virmos a ser vítimas do nosso próprio comportamento
inadequado.
O Estado deve promover a urbanização sensata da capital e
dos principais centros urbanos nas Regiões; melhorar as infra-estruturas de
comunicação, para favorecer uma maior e melhor mobilidade; agir de modo a
proporcionar melhor e mais fácil acesso à água potável; favorecer o acesso à
luz, aumentando a área da cobertura elétrica; diminuir a pressão fiscal, em vez
de aumentar as taxas num contexto de pandemia; promover a confiança dos
cidadãos nas instituições, através de uma governação eticamente exemplar e do combate à corrupção em todas
as suas formas.
Parafraseando o Papa Francisco, queremos, como filhos de
São Francisco de Assis, irmão de todos, sonhar com uma Guiné-Bissau unida e
fraterna, conscientes de que somos filhos desta terra que nos alberga a todos,
cada qual com a riqueza das suas origens, da sua fé e das suas convicções; cada
qual com a sua voz, mas todos irmãos. Por isso, sugerimos que cada um de nós
faça sua esta oração de São Francisco, pedindo a Deus a graça de participarmos efetiva
e eficazmente na construção da nossa nação:
Senhor, fazei
de mim um instrumento da vossa paz!
Onde houver
ódio, que eu leve o amor;
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão;
Onde houver discórdia, que eu leve a união;
Onde houver dúvida, que eu leve a fé.
Onde houver
erro, que eu leve a verdade;
Onde houver desespero, que eu leve a esperança;
Onde houver tristeza, que eu leve alegria;
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre,
fazei que eu procure mais consolar do que ser consolado;
Compreender do que ser compreendido;
Amar do que ser amado.
Pois é dando
que se recebe;
É perdoando que se é perdoado;
E é morrendo que se vive para a vida eterna.
Bissau, 06 de abril de 2021
Fr. Raxido M. dos Santos, ofm
Presidente
Ir. Ires F. Picollo
Secretária