quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Um Natal alternativo

Graças à Noemi, voluntária italiana e nossa hospede, tivemos um Natal verdadeiramente "alternativo". Ela deu a ideia de convidar os malucos da cidade, juntamente com quem vive na solidão, para um almoço comunitário. O convite foi lançado. No entanto, no momento do almoço só o Luís e o irmão de Filipe, surdo-mudo, tinham aparecido. E os outros? Estavam ainda pelas ruas e nos bares e foi necessário ir buscá-los. Um já estava bêbado antes de a gente começar. Finalmente todos chegaram e a festa começou. Foi um almoço de Natal inesquecível, incrível: todo o mundo estava à vontade, feliz. Eu senti que era o Natal mais verdadeiro de toda a minha vida: simples, pobre, mas fraterno e alegre.

Obrigado, Jesus, por ter escolhido os últimos como testemunhas do teu nascimento!

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Adeus, p. Domingos!

Luto na Igreja Católica da Guiné-Bissau pelo falecimento inesperado do P. Domingos da Fonseca, que foi vigário geral da diocese de Bafatá e pároco da paróquia de Bambadinca. Ele faleceu hoje à noite, em Ziguinchor, por causa de um problema de insuficiência renal.

O p. Domingos tinha nascido a 27 de novembro de 1955 em Bolama, era de etnia mancanha. Foi ordenado diácono a 18 de setembro de 1983 e sacerdote a 30 de dezembro de 1984.

O p. Domingos distinguia-se pela sua inteligência e paixão pelos estudos, que o levou a escrever um livro sobre Os Mancanhas.  Depois da sua licenciatura em Teologia Dogmática começou a ensinar no seminário maior inter-diocesano, onde era muito amado pelos seus estudantes.

A nível do Estado da Guiné, foi nomeado em 2015 presidente da Comissão organizadora da Conferencia Nacional para a Reconciliação e a Paz. Ele gostava de repetir que a paz só se pode alcançar acreditando no diálogo e na força do perdão.


domingo, 15 de dezembro de 2019

Os malucos, meus irmãos

Mamadu, a lavar-se numa rua de Bissau
Nunca tinha reparado na quantidade de loucos que povoam as nossas cidades e aldeias. Cada povoação tem os seus, mas passam despercebidos, quase formassem parte da paisagem. Não incomodam muito, simplesmente estão lá, tornando a nossa vida quotidiana mais viva e colorida com a sua linguagem incompreensível, os comportamentos estranhos, as loucuras. Por outro lado, eles são temidos porque - no imaginário popular - considerados agressivos e violentos, embora não seja bem assim, como estudos muito sérios demonstraram.

A Noemi com uma curandeira tradicional
A Noemi, jovem psiquiatra italiana, nossa hospede durante este tempo de Natal, abriu os meus olhos sobre a existência destes nossos irmãos marginalizados pela sociedade. Descobri, graças a ela, que são pessoas que podem ser recuperadas (pelo menos em parte), se forem devidamente curadas. E sobretudo amadas. Porque são nossos irmãos.


Eu também comecei a interessar-me a eles, a conversar com eles, a tentar entender os seus comportamentos excêntricos, as suas "tolices". Frequentando-os, descobri que há vários graus de loucura e que todos eles tem momentos de lucidez em que é possível comunicar e entender-se. Até posso dizer que tenho alguns "amigos" loucos. Como o Mamadu, que vive nas ruas do centro-cidade. Posso dizer que agora ele é meu amigo, embora a nossa linguagem é feita apenas de apertos de mão e sinais. Ou o Carlitos, pelo qual conseguimos encontrar um quarto e agora ele é ao cume da felicidade e está a ter um comportamento mais aceitável.

Carlitos
 Pequenos passos. Tempo perdido, segundo alguns. Para mim, o reino dos Céus que avança. "A Boa-Nova é anunciada aos pobres" (Mt 11,5).