terça-feira, 27 de abril de 2021

A família franciscana pública uma mensagem de denúncia

O Grito da Terra - o grito dos pobres!

Mensagem da Família Franciscana na Guiné-Bissau

A situação atual nos impele a pronunciarmo-nos, enquanto filhos e filhas de São Francisco de Assis, em prol da paz e do bem de todos, como foi o testemunho de vida deste homem extraordinário.

Éramos uma sociedade mais pacificada e capaz de ultrapassar os contenciosos com rostos que voltavam a ser sorridentes e cativantes. Os laços de entendimento e de união entre os guineenses continuavam bem evidentes, mesmo depois dos acontecimentos mais desgastantes e demolidores. Dava para ter esperança no amanhã e ter confiança na capacidade de agir pelo bem comum, no presente.

Hoje, somos obrigados a perguntar-nos: “Para que lugar estamos a caminhar e aonde queremos chegar?”, pois estamos a viver uma crise política, jurídica, económica, educativa, sanitária, entre outras, que nos mergulha num clima de agressões físicas e verbais, atentatórias à dignidade humana e conducentes à violação da integridade física e moral das pessoas, das instituições e da sociedade em geral, enquanto comunidade de bem. Assistimos a gastos avultados de dinheiro público, de forma leviana e sem transparência; constatamos a instrumentalização das identidades étnicas e religiosas para fins políticos; a ausência de respostas às populações mais desfavorecidas, relativamente à assistência alimentar, educativa e proteção social; o agravamento de impostos recaídos sobre os trabalhadores, sem prévia melhoria das condições laborais e salariais, quando as benesses do erário público são para consumos políticos e não para o investimento público; a justiça fragilizada, desacreditada e seletiva, não estando ainda totalmente ao alcance dos mais frágeis e necessitados; os silêncios que escondem conflitos de princípios e ausência de valores, por que deve reger-se o Estado de Direito, inclusive ao nível da Comunidade Internacional.

A manutenção deste estado de coisas leva à degeneração da situação até à ingovernabilidade, clivagem e colapso. A litigiosidade e agressividade, como um vírus, estão a contagiar a população no seu dia a dia. A desconfiança reina em todo o lado. A República está a regredir, em termos de garantias e defesa dos direitos e avanços típicos das nações, que não renunciam ao estatuto de verdadeira democracia, onde as pessoas gozam de cidadania ativa e plena.

O descontentamento é bem visível em todo o lado e se torna mais patente nos alunos penalizados a ficar em casa ou vagueando pelas ruas, proporcionando o aumento de violências domésticas e/ou baseadas no género, na vulnerabilidade e precariedade das famílias, sobretudo as lideradas pelas mulheres. Hipotecamos o nosso futuro, vivendo o presente duma maneira inglória e irresponsável. E quantas pessoas pagaram o preço da crise sanitária? Sem falar do tráfico de droga e de outros crimes que, infelizmente, um Estado fragilizado não tem capacidade de enfrentar com eficiência.

Na escola de São Francisco de Assis aprendemos que é importante ter o espírito de sentinela para alertar e denunciar os males do próprio tempo, mas também é preciso colaborar – em sinal de esperança – na construção duma sociedade nova, indicando o caminho que nos possa catapultar para a fruição do bem-estar coletivo, onde ninguém é esquecido ou fica para trás. Não estamos contra ninguém, apenas pretendemos defender um futuro melhor para todos, comprometendo-nos, também nós, a trabalhar, dedicada e humildemente, para o bem-estar de todos. Nosso objetivo é contribuir para a saída das páginas sombrias da nossa história comum, começando, desde já, a escrever uma página mais luminosa e empolgante.

Chegou o momento de eliminar a malícia de certas ações, de cessar de fazer o mal, de aprender a fazer o bem, de procurar o que é justo (cf. Isaías 2,16-17) e de respeitar a memória de todos aqueles que sonharam e deram a vida para que fôssemos um povo unido (apesar das nossas diferenças), livre e independente. Nesse momento, os guineenses precisam que as instituições do Estado, em especial os órgãos de soberania, se preocupem com a sua vida concreta. O Estado deve ser o primeiro educador da nação, mobilizando a todos e agindo de modo a resolver, de uma vez por todas,  as questões ligadas à saúde, ao ensino, à produção e à alimentação; deve, ainda, proteger e incentivar a descentralização de oportunidades de mobilidade social ascendente e suscitar e promover a vinculação das pessoas e coletividades, no interior do país, a uma ideia de nação; garantir os direitos sindicais dos trabalhadores e o sistema de reforma e proteção social (Segurança Social); investir na economia, capaz de gerar emprego, através da transformação local e dinamização de circuitos de distribuição de bens e serviços de  primeira necessidade; melhorar a gestão do grave problema da recolha e reciclagem do lixo, e dar mais importância e destaque à proteção da biodiversidade, com atenção especial às florestas, pois, por motivos obscuros, assiste-se a uma exploração irresponsável da nossa floresta, correndo assim o risco de a destruirmos e virmos a ser vítimas do nosso próprio comportamento inadequado.

O Estado deve promover a urbanização sensata da capital e dos principais centros urbanos nas Regiões; melhorar as infra-estruturas de comunicação, para favorecer uma maior e melhor mobilidade; agir de modo a proporcionar melhor e mais fácil acesso à água potável; favorecer o acesso à luz, aumentando a área da cobertura elétrica; diminuir a pressão fiscal, em vez de aumentar as taxas num contexto de pandemia; promover a confiança dos cidadãos nas instituições, através de uma governação eticamente exemplar e do combate à corrupção em todas as suas formas.

Parafraseando o Papa Francisco, queremos, como filhos de São Francisco de Assis, irmão de todos, sonhar com uma Guiné-Bissau unida e fraterna, conscientes de que somos filhos desta terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza das suas origens, da sua fé e das suas convicções; cada qual com a sua voz, mas todos irmãos. Por isso, sugerimos que cada um de nós faça sua esta oração de São Francisco, pedindo a Deus a graça de participarmos efetiva e eficazmente na construção da nossa nação:

Senhor, fazei de mim um instrumento da vossa paz!

Onde houver ódio, que eu leve o amor;
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão;
Onde houver discórdia, que eu leve a união;
Onde houver dúvida, que eu leve a fé.

Onde houver erro, que eu leve a verdade;
Onde houver desespero, que eu leve a esperança;
Onde houver tristeza, que eu leve alegria;
Onde houver trevas, que eu leve a luz.

Ó Mestre, fazei que eu procure mais consolar do que ser consolado;
Compreender do que ser compreendido;
Amar do que ser amado.

Pois é dando que se recebe;
É perdoando que se é perdoado;
E é morrendo que se vive para a vida eterna.

Bissau, 06 de abril de 2021

  

 

Fr. Raxido M. dos Santos, ofm

   Presidente                   

 

     Ir. Ires F. Picollo

Secretária